Museu da Tapeçaria de Portalegre – Guy fino assinala simbolicamente, no dia 1 de dezembro, o centenário do nascimento de Guy Fino


Todas as celebrações que estavam programadas para comemorar este centenário e que não poderão ir avante, devido à pandemia da COVID-19, serão realizadas, espera-se, em 2021, com um vasto programa de atividades já planeado: conferências, exposições em Portalegre e Lisboa, um documentário sobre a Manufactura de Portalegre (que contará com imagens de Guy Fino, da sua família, amigos e artistas), assim como um catálogo sobre a Manufactura de Portalegre.
Guy Roseta Fino
Industrial de Tapeçaria
Guy Fino nasceu na Covilhã, a 1 de Dezembro de 1920.
Foi para Portalegre com 9 anos de idade, acompanhando o pai, Francisco Fino, outro nome profundamente, ligado à reabilitação da indústria dos lanifícios na nossa cidade, e cuja família desempenhará um papel fundamental na vida portalegrense. Aqui fez os estudos secundários, mas havia toda uma tradição familiar que foi mantida: trabalhou como debuxador, em 1938, na Firma Morais & Fino Lda., na Covilhã, mudando-se definitivamente para Portalegre em 1940, quando seu pai também ali se estabeleceu. Guy Fino fundou em 1942 a firma Ensimagem Ldaª de Portalegre, e, dois anos depois, passou a sócio gerente da empresa de seu pai, cujos passos parecia seguir. Era, com efeito, e seria sempre pela vida fora, não apenas um industrial de lanifícios, mas um profundo conhecedor do sector, com uma visão internacional consolidada por múltiplas viagens e contactos nos mais diversos países. Amava a sua profissão. Não via nela apenas um meio de vida, mas sim uma paixão. Foi essa sua experiência no sector dos de lanifícios que o levou a ser contactado por Manuel Celestino Peixeiro, no sentido de se associarem num projecto industrial comum, a fundação de uma serração de madeiras, ideia que Guy Fino recusou por não estar familiarizado com essa indústria. Surgiu então outra hipótese – fazer renascer a indústria de tapetes de ponto de nó, que tanto êxito alcançara nos anos vinte. Alguns teares de madeira ainda existentes na Fábrica das Sedas foram montados na antiga Fábrica Real, e a ligação de Guy Fino à Francisco Fino Lda., permitiu o acesso a lãs e a diversos tipos de fio, bem como à necessária tinturaria. A 26 de Setembro de 1946 constituía-se a firma Tapetes de Portalegre Lda., recebendo os tapetes ali produzidos boa aceitação por parte do público. Mas a concorrência de outras empresas congénere que ofereciam tapetes de qualidade inferior mas com preços mais acessíveis, abriu uma crise que obrigou a empresa a procurar novos rumos. Nesse momento, Manuel do Carmo Peixeiro mostrou a Guy Fino algumas amostras experimentais de tapeçaria com um ponto completamente diferente do ponto francês, e que idealizara, muitos anos antes, durante a sua permanência em Roubaix, inspirado nos nós dos pescadores e que seria o ponto de Portalegre. Guy Fino iniciou de imediato contactos com pintores e especialistas, ao mesmo tempo que se realizaram algumas experiências práticas nos teares da Tapetes de Portalegre Lda. Um pequeno número de operárias recebeu formação específica dada pelo pintor Renato Torres, professor da Escola Industrial local, amigo de José Régio e integrante da sua tertúlia que se reunia com frequência no Café Central. A concepção do primeiro cartão de uma tapeçaria de Portalegre, «Diana», executada em 1947, coube a outro professor do Liceu, João Tavares. Esta ligação de Renato Torres, João Tavares e Guy Fino a José Régio pesará no interesse com que o Poeta seguiu o desenvolvimento da manufactura, traduzido em diversos escritos que lhe consagrou.
Em 1949, as tapeçarias de Portalegre conheceram uma primeira divulgação em Lisboa, embora não autonomamente, na 4ª Exposição Geral de Artes Plásticas, realizada em Maio-Junho na Sociedade Nacional de Belas Artes. Simultaneamente, no 19 Salão de Artes Decorativas estiveram patentes outras 5 tapeçarias. Embora constituindo apenas uma parcela daquelas exposições, as tapeçarias suscitaram o maior interesse e curiosidade por parte dos visitantes. O salto em frente no reconhecimento público, nacional e depois internacional, será dado em 1952, ao realizar-se, em Lisboa, no Museu das Janelas Verdes, uma exposição de tapeçaria francesa. Paralelamente, sem temer comparações, Guy Fino organizou uma pequena mostra de tapeçarias de Portalegre – eram apenas duas – no Palácio Foz. Aquilo que poderia ser um atrevimento, comparar a multissecular e prestigiada tapeçaria francesa com a jovem e insipiente congénere portalegrense saldou-se por um êxito rotundo. Foi o ponto de viragem. Salazar visitou a pequena mostra, bem como diversos membros do governo, e as encomendas oficiais não tardaram, bem como de outras entidades Nessa época, os clientes institucionais eram os únicos existentes uma vez que, entre os particulares, ainda não estava cultivado o gosto pela tapeçaria.
O aumento das encomendas obrigou a empresa a aperfeiçoar a organização do trabalho, a apurar técnicas e a melhorar, enfim, toda uma estrutura que começara por uma pequena experiência, quase familiar, e que atingia uma dimensão inesperada exigindo respostas adequadas.
Guy Fino empreendeu então diversos contactos com vista à promoção das tapeçarias além-fronteiras. Em Maio de 1952 visitou Lurçat em França, tentando convencê-lo a fazer tapeçarias na manufactura de Portalegre, mas sem êxito. Jean Lurçat, um dos maiores representantes da moderna tapeçaria francesa – juntamente com Le Corbusier e Léger, entre outros -mostrou-se incrédulo, reafirmando a sua confiança total na tradição do seu país. As viagens que Guy Fino fazia pelo estrangeiro na sua qualidade de sócio e gerente da Francisco Fino cá eram aproveitadas para contactos tendo em vista uma expansão das tapeçarias no mercado internacional. Por ocasião de outra deslocação a França, em Dezembro de 1955, visitou de novo Lurçat no castelo de Saint Ciré, insistindo para que o grande Mestre fizesse cartões para a manufactura de Portalegre. Amavelmente, Lurçat recusou, mas ofereceu à mulher do industrial portalegrense uma pequena tapeçaria de sua autoria executada em Aubusson, com um galo, «le coq guerrier». Guy Fino pediu-lhe autorização para a reproduzir e convidou-o a visitar a manufactura de Portalegre por ocasião de uma próxima deslocação de Lurçat a Portugal, o que foi aceite. A oportunidade surgiu três anos depois, quando o Mestre francês teve oportunidade de visitar Portalegre e de ver a tapeçaria que oferecera, lado a lado com uma outra feita nos teares locais. Indeciso entre ambas, elegeu a de Portalegre como sendo a original…
Em 1954, Guy Fino ficou como único gerente e director da firma, conservando esta o nome de Tapetes de Portalegre Lda. Somente em 1962, mediante escritura pública, passará a designar-se Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. As encomendas, que continuavam a chegar a bom ritmo, destinavam-se a clientes institucionais, a hotéis, bancos, companhias de seguros, mas também a particulares. Nem sempre, porém, esses trabalhos satisfaziam o gosto estético de Guy Fino, mas isso era compensado pela qualidade dos artistas que, cada vez em maior número, pintavam cartões expressamente para tapeçaria, e encarregavam a Manufactura de Portalegre de os executar.
Nos anos sessenta, as Tapeçarias de Portalegre atingiam a maioridade. As encomendas sucedem-se, tal como as exposições no estrangeiro.
A crise vivida após 1974 foi superada com persistência e uma hábil política de diversificação.
O trabalho com galerias estrangeiras revelou-se igualmente promissor e contribuiu, decididamente, para a projecção internacional das tapeçarias de Portalegre. Através delas, obras de autores portugueses figuram em museus e colecções daqueles países e, inversamente, cartonistas estrangeiros vieram a Portugal para executarem os seus trabalhos na Manufactura de Portalegre. Os pintores nacionais e estrangeiros que elaboraram cartões para a Manufactura de Portalegre foram numerosos e prestigiados, e com muitos deles Guy Fino manteve laços de amizade e de admiração recíprocas. Para além do já citado Lurçat, cuja viúva esteve presente nas comemorações do 50º aniversário da fundação da Manufactura, e de um breve contacto com Dali, merecem destaque os nomes de João Tavares, Renato Torres, Camarinha, Fred Kradolfer, Almada Negreiros, Jorge Barradas, Cargaleiro, Cruzeiro Seixas, Dordio Gomes, João Abel Manta, Maria Keil, Lima de Freitas, Eduardo Nery, Júlio Resende, Pomar, Rogério Ribeiro, Menez, e tantos outros! Destaque especial merecem Vieira da Silva, com quem Guy Fino já mantinha contactos antes mesmo de ela aceder a pintar cartões para tapeçaria, e seu marido, Arpad Szenes.
As Tapeçarias de Portalegre são fruto de persistência, da dedicação e do carinho de Guy Fino. E que histórias e episódios dramáticos e anedóticos estiveram associadas a esses 50 anos de actividade! É que Guy Fino era, também, um conversador nato e um repositório de referências sobre a história da nossa cidade.
Com a sua morte física desaparece um Homem a quem Portalegre muito deve, mas também uma figura que deu um contributo valiosíssimo à cultura portuguesa contemporânea.
São Homens como ele que marcam uma época.
Ao atribuir ao Museu de Tapeçaria de Portalegre o nome de Guy Fino pretendeu-se prestar a justa homenagem ao homem que definitivamente integrou Portugal na lista dos grandes produtores internacionais de Tapeçaria.
Faleceu em Lisboa a 13 de Setembro de 1997, com 76 anos, deixando duas filhas, também elas empresárias empreendedoras e de sucesso.
António Ventura, in Jornal Fonte Nova
01.dezembro.2020